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GAZA POÉTICA

Poemas de Mahmoud Darwish (Palestina)


BILHETE DE IDENTIDADE

Toma nota!
Sou árabe
O número do meu bilhete de identidade: cinquenta mil
Número de filhos: oito
E o nono… chegará depois do verão!
Será que ficas irritado?
Toma nota!
Sou árabe
Trabalho numa pedreira com os meus companheiros de fadiga
E tenho oito filhos
O seu pedaço de pão
As suas roupas, os seus cadernos
Arranco-os dos rochedos…
E não venho mendigar à tua porta
Nem me encolho no átrio do teu palácio.
Será que ficas irritado?

Toma nota!
Sou árabe
Sou o meu nome próprio – sem apelido
Infinitamente paciente num país onde todos
Vivem sobre as brasas da raiva.
As minhas raízes…
Foram lançadas antes do nascimento do tempo
Antes da efusão do que é duradouro
Antes do cipreste e da oliveira
Antes da eclosão da erva
O meu pai… é de uma família de lavradores
Nada tem a ver com as pessoas notáveis
O meu avô era camponês – um ser
Sem valor – nem ascendência.
A minha casa, uma cabana de guarda
Feita de troncos e ramos
Eis o que eu sou – Agrada-te?
Sou o meu nome próprio – sem apelido!

Toma nota!
Sou árabe
Os meus cabelos… da cor do carvão
Os meus olhos… da cor do café
Sinais particulares:
Na cabeça uma kufia com o cordão bem apertado
E a palma da minha mão é dura como uma pedra
… esfola quem a aperta
A minha morada:
Sou de uma aldeia isolada…
Onde as ruas já não têm nomes
E todos os homens… trabalham no campo e na pedreira.
Será que ficas irritado?

Toma nota!
Sou árabe
Tu saqueaste as vinhas dos meus pais
E a terra que eu cultivava
Eu e os meus filhos
Levaste-nos tudo excepto
Estas rochas
Para a sobrevivência dos meus netos
Mas o vosso governo vai também apoderar-se delas
… ao que dizem!
… Então

Toma nota!
Ao alto da primeira página
Eu não odeio os homens
E não ataco ninguém mas
Se tiver fome
Comerei a carne de quem violou os meus direitos
Cuidado! Cuidado
Com a minha fome e com a minha raiva!
(1964)
[Tradução de Júlio de Magalhães]


ELE É CALMO, E EU TAMBÉM

Ele é calmo,
E eu também.
Ele bebe chá de limão,
e eu bebo café.
(esta é a única coisa diferente entre nós)
Ele, como eu, usa uma camisa folgada básica
E eu olho, como ele, para uma revista mensal.
Ele não me vê enquanto eu o olho discretamente;
Eu não o vejo enquanto ele me olha discretamente.
Ele é calmo,
E eu também.
Ele pede algo ao garçom;
Eu peço algo ao garçom.
Um gato preto passa entre nós,
E eu toco sua noite de pêlos;
Ele toca sua noite de pêlos.
Eu não digo a ele: o céu está claro hoje,
mais azul;
Ele não me diz: o céu está claro hoje.
Ele é o visto e o que vê;
Eu sou o visto e o que vê.
Eu movo minha perna esquerda;
Ele move sua perna direita;
Eu balbucio a melodia de uma canção;
Ele balbucia a melodia de uma canção.
Eu penso: Ele é o espelho onde eu me vejo?
Então eu olho direto em seus olhos, e eu não o vejo.
Eu deixo o Café com pressa,
Eu penso: talvez ele seja um assassino,
ou talvez ele é apenas um homem passando
e eu sou um assassino.


CONFISSÃO DE UM TERRORISTA

Ocuparam minha pátria
Expulsaram meu povo
Anularam minha identidade
E me chamaram de terrorista
Confiscaram minha propriedade
Arrancaram meu pomar
Demoliram minha casa
E me chamaram de terrorista
Legislaram leis fascistas
Praticaram odiada apartheid
Destruíram, dividiram, humilharam
E me chamaram de terrorista
Assassinaram minhas alegrias,
Seqüestraram minhas esperanças,
Algemaram meus sonhos,
Quando recusei todas as barbáries
Eles… mataram um terrorista!


NÃO ME CANSO DE FALAR

Não me canso de falar sobre a diferença ténue entre as
mulheres e as árvores,
sobre a magia da terra, sobre um país cujo carimbo não
encontrei em nenhum passaporte.
Pergunto: Senhoras e senhores de bom coração, a terra
dos homens é, como vós afirmais, de todos os homens?
Onde está então o meu casebre? Onde estou eu? A
assembleia aplaudiu-me
durante três minutos, três minutos de liberdade e de
reconhecimento… A assembleia acaba de aprovar
o nosso direito ao regresso, como o de todas as galinhas e
todos os cavalos, a um sonho de pedra.
Aperto-lhes a mão, um a um, depois faço uma saudação,
inclinando-me… e continuo a viagem
para outro país, onde falarei sobre a diferença entre
miragens e chuva.
E perguntarei: Senhoras e senhores de bom coração, a
terra dos homens é
de todos os homens?


ÁRVORE DOS SALMOS

No dia em que minhas palavras forem terra…
Serei um amigo para o perfilhamento do trigo
No dia em que minhas palavras forem ira
Serei amigo das correntes
No dia em que minhas palavras forem pedras
Serei um amigo para represar
No dia em que minhas palavras forem uma rebelião
Serei um amigo para terremotos
No dia em que minhas palavras forrem maças de sabor amargo
Serei um amigo para o otimismo
Mas quando minhas palavras se transformarem em mel…
Moscas cobrirão
Meus lábios!…
(Traduzido por Fabio Vieira)

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