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REFLETINDO SOBRE BRECHT E A REALIDADE ATUAL

Tentando entender a situação social e politica atual, dinâmica complexa com manifestações em várias partes do mundo e uma fase muito diferente na situação brasileira. A falta de perspectiva histórica e revolucionária. Por um lado, organizações politicas e movimentos tentam se colocar na situação, por outro, movimentos surgem dizendo sobre novas ideias que na prática são antigas, no entanto, parece surgir movimentos com ideias novas, já que podem surgir de seu próprio tempo e por isso mesmo acabam não sentindo necessidade de se dizer novidade. As religiões, principalmente as monoteístas começam a se colocar com foco direto para o movimento de contestações. Ligando a televisão, vi uma chamada para uma campanha que parecia dizer: Qual sua aflição? Remoção? Manifestações que não trazem respostas? Venha para a noite dos vencedores, onde você encontrará todas as respostas para suas reivindicações. 

À muitos limites, mas quais são eles? O que realmente falta para avançar politicamente nas lutas que surgem a cada dia? As palavras de ordem estão em desordem? Surgem de uma vontade de cada movimento ou organização politica de gritar suas impressões sobre a sociedade? Ou surgem de uma escuta real sobre o que sofre a população? Elas surgem para dizer quais são as contradições ou para ativar o olhar critico da população para que ela perceba as contradições por si mesma?

Retomando a um texto teatral de Bertolt Brecht, a peça Santa Joana dos Matadouros fui provocado a ter vários lapsos de comparação com o momento atual. Brecht parece ter buscado provocar o olhar critico o tempo todo, seja para as atitudes individuais numa realidade de caos social ou para as atitudes coletivas de organizações politicas e religiosas. 

O enredo de Santa Joana se desenvolve nos matadouros de Chicago nos anos de 1929, uma profunda recessão leva ao fechamento de fabricas, demissões em massa e a falta de alimentos básicos para o abastecimento da população. O desemprego e a falta de comida leva os operários a aceitarem qualquer condição para sobreviverem. Joana é uma liderança dos Boinas Pretas um grupo religioso que se diz o Exercito de Deus, eles distribuem sopa para os necessitados, aproveitando a aglomeração para pregar a palavra de Deus. Entre muitas explicações, Joana tenta justificar a miséria do povo pelo argumento de que a pobreza é a materialização de uma carência espiritual de cada um e por tanto, culpa deles mesmos. Os questionamentos continuam vindo cada vez mais até que joana começa a questionar a si própria. Ela acredita no que faz e faz pensando que a crença poderá realmente trazer uma solução metafisica para o problema materialista, ela acredita em algo que não pode explicar e acaba sempre elevando o que não pode entender a um plano superior. 

Acreditando que os capitalistas também são vítimas da recessão e da fraqueza espiritual, na vontade de ouvi-los ela procura por Bocarra que controla a bolsa de carnes. Bocarra vê em Joana uma possibilidade de pacificação e de freio ideológico para uma luta politica em curso. O que o preocupa não é tanto a luta politica, mas o riso da luta começar a ter um caráter da classe trabalhadora, que os trabalhadores entendam seu papel dentro do processo produtivo e questionem o modelo de organização reivindicando mais do que soluções reformistas. 

Muitas duvidas começam a tomar conta de Joana e Bocarra tenta convence-la da maldade dos trabalhadores e da bondade dos patrões, ele a leva até os matadouros e mostra como os trabalhadores matam os animais e se vendem em troca de qualquer beneficio a mais do que seu salário, como que por um prato a mais de sopa. 

Para lançar mais luz sobre as situações colocadas no texto, Brecht ainda desenvolve cenas onde Joana tem o contato com o partido comunista que tenta dirigir a luta dos operários. É neste momento que ela começa a entender mais a fundo o processo, pois ela conhecia o discurso dos patrões, dos trabalhadores e agora se distanciava em contato com a analise do partido que propõem uma nova forma de organização que os trabalhadores ainda não entendem.

Joana que no inicio é um freio da luta, começa a questionar a própria religião por vê-la passível de corrupção e de tendenciar para o lado dos patrões quando estes oferecem recursos para ampliar os trabalhos do Boinas Pretas. Da mesma forma que os patrões, o partido se encontra completamente perdido em meio as manifestações dos trabalhadores e vêem em Joana uma líder que pode ser útil para conscientizar os trabalhadores, mas não sabem como dialogar com o que acontece na pratica. Acabam confiando nela para entregar uma carta no meio de um piquete, se a carta não for entregue a uma pessoa que ele nunca viu e que também nunca havia visto ela, tudo estaria em perigo. 

Joana acaba enfrentando uma nevasca e não consegue entregar a carta, já adoentada acaba morrendo de pneumonia com a carta na mão. No final, ela é canonizada pelos capitalistas e como Santa Joana dos Matadouros vira símbolo dos trabalhadores.


Brecht sempre me parece mais atual do que nunca e este texto serve bem para refletir a realidade atual. Como forma de questionamento à propriedade intelectual e de ver a obra de Brecht sobre controle de um mercado que regula a informação - a indústria cultural - disponibilizo aqui o texto em PDF com introdução de Roberto Schwarz, que faz uma profunda reflexão sobre a crise de 29 e a sociedade atual. A leitura vale a pena, refletir sobre ela e nosso tempo também.
TEXTO

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