Quando eu ainda estava trabalhando no livro "Colorido só por fora: contos periféricos", recebi um retorno do grande amigo Filipe Fernandes. Além de fazer a introdução do livro, ele deu alguns toques, como esse que compartilho: uma analise sobre os eventos do cotidiano retratado no conto "Vestido de Luto". Para ler o conto e ter mais detalhes sobre o livro clique AQUI.
Análise: os ventos do cotidiano
Por Filipe Fernandes
Terminando a leitura do conto Vestido de luto, de Jessé Duarte, multiartista da cidade de Contagem, Minas Gerais, não pude deixar de recordar a triste e crescente realidade que, anualmente, assola os brasileiros nos últimos anos: o alto índice de violência nas áreas urbanas, sobretudo nas regiões mais periféricas e desassistidas do país. Nesse sentido, se levarmos em consideração que, aproximadamente, 53,6 mil pessoas morreram devido a crimes ocorridos em 2013, de acordo com o Mapa da Violência 2014, chegaremos à constatação de que a Ana da história narrada é um perfeito arquétipo dessa estatística cruel que aprisiona muitos cidadãos nos dias atuais.
O ambiente em que a história se passa é conhecido: uma vila, com seus problemas, precariedades, pessoas e dificuldades. E que é compartilhada por milhares de vidas que vivem cotidianamente imersas a algumas das várias contradições que a sociedade sustenta. As privações sociais e as expectativas de um futuro melhor que se combatem, a miséria hereditária perpetuada por gerações e o tráfico associado à truculência corruptiva da polícia que inibem as pessoas. Realidades aparentemente intransponíveis pela historicidade da exclusão social brasileira, mas que não impedem Ana de devanear a sua existência em quintais tranquilos com gangorras para sentir a eternidade.
No entanto, como um pasmo para o real, a moça, negra, pobre, adolescente, mãe, preenche marcas de uma vida de muitos, nas quais as formações social, psicológica e moral do ser humano vão sendo corrompidas desde cedo e explicam o pessimismo da heroína ao pensar se o destino de sua filha será o mesmo. Pessimismo findado rapidamente, devida à morte precoce na mesa de um bar qualquer, como um domingo qualquer, como um dia qualquer de sua curta vida. Como um homicídio qualquer que compõe o triste número de 2013, e que atesta a conivência e a coparticipação das seguranças públicas (que deveriam proteger) nos casos de morte num Brasil que se mostra, em grande parte, para poucos.
Por isso mesmo, podemos chegar à conclusão de que a própria vila, onde Ana mora, é a principal protagonista do conto, por comportar diversos pontos que poderiam representar com veemência o país – além de ilustrar uma clara metáfora fúnebre que atormenta os marginalizados: o manequim, constantemente com uma vestimenta preta, indicando a presença da morte. Indo para o plano da narrativa, e com o intuito de fazer uma análise séria e honesta, é mister salientar algumas notas de reparo referentes ao conto: a previsibilidade dos acontecimentos que norteiam a história pode ser um empecilho, pois podem contribuir para a perda de progressão e de interesse da leitura. Como exemplo, seria interessante se, no momento em que um jovem é assassinado nas margens da linha de trem, houvesse a ocultação dos autores do crime, uma vez que, já que foram revelados após a morte de Ana, deixaria o desenvolvimento dos fatos ainda mais instigante e misterioso aos olhos do leitor.
Talvez os diálogos apresentados posteriormente àquele homicídio pudessem indicar as pistas, para, no fim, podermos tirar nossas conclusões do ocorrido.
Por fim, vale ressaltar a importância da leitura do conto, por nos fazer refletir sobre toda uma sociedade da qual somos participantes e interligados em quaisquer níveis sociais. A violência no Brasil é um debate que precisa ser mais abordado, uma vez que suas principais vítimas são aqueles que mais necessitam de políticas públicas e condições dignas de viver em meio às diferenças sociais e culturais arraigadas no país. Logo, a atualidade do texto de Jessé nos convida para uma análise que deve ser compartilhada para o conhecimento público.
Filipe Fernandes é poeta e escritor da cidade de Contagem, graduando em letras pelo CEFET/MG.
Por Filipe Fernandes
Terminando a leitura do conto Vestido de luto, de Jessé Duarte, multiartista da cidade de Contagem, Minas Gerais, não pude deixar de recordar a triste e crescente realidade que, anualmente, assola os brasileiros nos últimos anos: o alto índice de violência nas áreas urbanas, sobretudo nas regiões mais periféricas e desassistidas do país. Nesse sentido, se levarmos em consideração que, aproximadamente, 53,6 mil pessoas morreram devido a crimes ocorridos em 2013, de acordo com o Mapa da Violência 2014, chegaremos à constatação de que a Ana da história narrada é um perfeito arquétipo dessa estatística cruel que aprisiona muitos cidadãos nos dias atuais.
O ambiente em que a história se passa é conhecido: uma vila, com seus problemas, precariedades, pessoas e dificuldades. E que é compartilhada por milhares de vidas que vivem cotidianamente imersas a algumas das várias contradições que a sociedade sustenta. As privações sociais e as expectativas de um futuro melhor que se combatem, a miséria hereditária perpetuada por gerações e o tráfico associado à truculência corruptiva da polícia que inibem as pessoas. Realidades aparentemente intransponíveis pela historicidade da exclusão social brasileira, mas que não impedem Ana de devanear a sua existência em quintais tranquilos com gangorras para sentir a eternidade.
No entanto, como um pasmo para o real, a moça, negra, pobre, adolescente, mãe, preenche marcas de uma vida de muitos, nas quais as formações social, psicológica e moral do ser humano vão sendo corrompidas desde cedo e explicam o pessimismo da heroína ao pensar se o destino de sua filha será o mesmo. Pessimismo findado rapidamente, devida à morte precoce na mesa de um bar qualquer, como um domingo qualquer, como um dia qualquer de sua curta vida. Como um homicídio qualquer que compõe o triste número de 2013, e que atesta a conivência e a coparticipação das seguranças públicas (que deveriam proteger) nos casos de morte num Brasil que se mostra, em grande parte, para poucos.
Por isso mesmo, podemos chegar à conclusão de que a própria vila, onde Ana mora, é a principal protagonista do conto, por comportar diversos pontos que poderiam representar com veemência o país – além de ilustrar uma clara metáfora fúnebre que atormenta os marginalizados: o manequim, constantemente com uma vestimenta preta, indicando a presença da morte. Indo para o plano da narrativa, e com o intuito de fazer uma análise séria e honesta, é mister salientar algumas notas de reparo referentes ao conto: a previsibilidade dos acontecimentos que norteiam a história pode ser um empecilho, pois podem contribuir para a perda de progressão e de interesse da leitura. Como exemplo, seria interessante se, no momento em que um jovem é assassinado nas margens da linha de trem, houvesse a ocultação dos autores do crime, uma vez que, já que foram revelados após a morte de Ana, deixaria o desenvolvimento dos fatos ainda mais instigante e misterioso aos olhos do leitor.
Talvez os diálogos apresentados posteriormente àquele homicídio pudessem indicar as pistas, para, no fim, podermos tirar nossas conclusões do ocorrido.
Por fim, vale ressaltar a importância da leitura do conto, por nos fazer refletir sobre toda uma sociedade da qual somos participantes e interligados em quaisquer níveis sociais. A violência no Brasil é um debate que precisa ser mais abordado, uma vez que suas principais vítimas são aqueles que mais necessitam de políticas públicas e condições dignas de viver em meio às diferenças sociais e culturais arraigadas no país. Logo, a atualidade do texto de Jessé nos convida para uma análise que deve ser compartilhada para o conhecimento público.
Filipe Fernandes é poeta e escritor da cidade de Contagem, graduando em letras pelo CEFET/MG.
O que mata é essa previsibilidade. Esse conto foi um punhal.
ResponderExcluir